quinta-feira, 24 de maio de 2012

DA OCIDENTAL EPOPÉIA ACREANA

“as águas espumosas
e inquietas descendiam
batendo fragas e rochedos”[1]

Barbados Açores navios negreiros
avós caravelas do leste e do norte
retirantes sertões severinos silvinos
com Damião Frei Romão vem Santana

sangram riomar são romeiros latinos
ao ver-o-peso presépio do forte
mãe Manaó Nazaré peregrinos
Ajuricaba sua gente conclama

sangram florestas exploram nascentes
seus lampiões são os olhos do corte
pai aquiry anajás seringueiros
João Gabriel de Uruburetama

brabos nativos afrodescendentes
imigrantes soldados do sul e da sorte
coronéis libertários benditos guerreiros
da ocidental epopéia acreana


Clodomir Monteiro



Poema publicado em:
Antologia de Escritas No7 (org. José Félix). Portugal: Quilate, Lda, 2010. p. 25
* Fotografia ilustrativa presente em Álbum do Rio Acre 1906-1907 de Emílio Falcão.


[1] Apud Luiz de Camões.

terça-feira, 15 de maio de 2012

AVIA NO TEMPO

o problema de todas as horas
nos minutos interiores de cada alma
os segundos que se perdem
se prendem se pedem suplicam
nos momentos em que olhos se cruzam

o dilema de todas as almas
nos interiores de cada minuto
as horas as ações as frações
as orações que se servem
nos pratos nos cálices genuflexórios

os dias escorridos das bandeiras
canecos cheios coagulando tempo
os segundos por dentro das porongas
a farinha d'água escovando as costas
a faca nos troncos sulcando gotas

as semanas virando sernambi
vão cobrindo os princípios defumados
cavadores refugados minutos prensados
falas se foram virando silêncio
o inverno protegido em cada jamaxi

o problema de todos os canecos
nos protestos interiores de cada porrada
os minutos por fora das semanas
o jabá cozido na metade
a mulher deitada masturbando a rede

as estradas dos meses embalados
a umidade subindo em cada corpo
o sol derretendo em cada pele
o saldo da vida dividida e estivada
os anos vão ficando em cada porto


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(fragmento do antropoema AcreDITO, saga da ocupação acreana que redundou na revolução contra bolivianos para anexação do território ao Brasil)

AVIA = prover alimentos em troca da borracha que se vai produzir. O poema é uma paródia do tema/problema.

domingo, 13 de maio de 2012

MINHA MÃE

Clodomir Monteiro
Rio Branco 07/05/2005


A mulher da foto que vejo ao lado
sempre esteve ao meu lado
no lado do lado do coração

O lado do lado de quem esteve só ao lado
é quem nunca esteve ao lado no lado
ela continua sendo a foto ao lado

Agora estou dentro
e quando olho de dentro não vejo minha mãe
eu sou

Ela está em todos os lados
ao lado e dentro de todos os lados
ela vive falo sempre com ela

Mas jamais sairei do espelho.

MÃE MULHER MÃE

Clodomir Monteiro
07/05/2005



ELA FOI UM DIA
DE QUEM FOI UM DIA
QUE FOI UM DIA

PENSA TODO DIA
O QUEM FOI UM DIA
DAQUELE QUE FOI DELA UM DIA

E QUEM FOI UM DIA
DAQUELA QUE FOI DELE UM DIA
NÃO SERÁ UM DIA
DAQUELES QUE SERÃO UM DIA

DAQUELES E DAQUELAS QUE SÃO HOJE EM DIA
E FORAM DELA UM DIA
COMO NÃO SÃO QUEM FORAM UM DIA
NÃO PODEM MAIS SEREM DELA HOJE


ELA QUE FOI UM DIA
DE QUEM FOI UM DIA
AINDA É QUEM FOI UM DIA
DAQUELES QUE DELAS NÃO SÃO MAIS HOJE


A MÃE QUE TIVEMOS UM DIA
HOJE É QUEM NOS FOI UM DIA
MAS NÓS NÃO PODEMOS HOJE
SER DAQUELA QUE NOS FOI UM DIA
ELA FOI UM DIA


E SENDOAINDA HOJE
QUEM NOS FOI UM DIA
E NÃO SENDO QUEM FOI UM DIA
NÓS A SOMOS TODO DIA